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domingo, maio 21, 2006

Capítulo 8

A Fuga


Havia Novidades em Paris.
Nicolas Cop, o jovem reitor da Universidade de Paris, havia feito a sua palestra anual a comunidade universitária no Dia de Todos os Santos. Em vez de falar sobre os santos e a santa igreja, Cop usou o texto: "Bem-aventurados os humildes de espírito", dissertando sobre os evangelhos e a graça gratuita de Deus. Falou contra a perseguição aqueles que retornavam a Bíblia. Citou Erasmus, cujas obras foram banidas pela Universidade da Sorbonne. Embora não declarasse a origem de outras citações, eram palavras semelhantes as de Lutero.
Os professores da Sorbonne ficaram furiosos. Dois monges correram ao parlamento e exigiram que o reitor fosse julgado. Não podiam correr ao rei porque Francis I estava em Marseilles, arranjando o casamento do seu segundo filho com a sobrinha do papa que havia chegado de navio para encontrar-se com o rei.
Havia mais uma coisa estranha sobre a palestra do reitor. Diziam a boca peque- na que Cop tinha sido aconselhado por um jovem estudioso chamado João Calvino. Nicolas Cop e João Calvino eram amigos por dez anos ou mais, e eram vistos juntos com certa freqüência. O que aconteceria agora com ambos, com o poder da Sorbonne a atacá-los?
Em fins de novembro, 1533, quase um mês após sua oração, Nicolas Cop dirigia-se ao palácio num cortejo acadêmico. Com sua toga de reitor, e os bedéis a sua frente levando os báculos dourados do seu oficio, ia atender a uma convocação do parlamento. De repente, um mensageiro entregou-lhe uma advertência enviada por um amigo parlamentar. Fuja logo para salvar sua vida, disse-lhe o mensageiro pois a Universidade da Sorbonne acaba de persuadir o parlamento a não libertá-lo; o rei esta ausente e não pode salvá-lo.
Nicolas Cop entrou imediatamente num beco, tirou o gorro e a toga, e desapareceu no meio de um grupo de alunos prestativos. Dentro de uma hora tinha saído disfarçado pela Porta Saint Martin. Fugiu tão depressa que levou consigo a chancela da universidade.
Essa fuga foi demais para o chefe de policia, o qual logo mandou seus beleguins prenderem João Calvino a qualquer custo. Mas os estudantes novamente derrotaram as manobras das autoridades. Enquanto alguns conversavam com os beleguins ao pé da escada, outros ajudavam João Calvino escapar por uma janela de trás, numa corda feita as pressas com roupa de cama. Na casa de um amigo vitivinicultor, João vestiu roupas de camponês. Saiu da cidade com uma enxada nos ombros, caminhando em direção a Noyon, Os beleguins tomaram os livros e papéis, mas não o dono.
Como foi que João Calvino se tornou um homem caçado? Até então era conhecido como brilhante aluno, jovem autor, um erudito que prometia para o futuro, e um homem ainda com compromissos para o sacerdócio. Quando foi que essas idéias compartilhadas com Nicolas Cop e condenadas pela Sorbonne quando foi que dominaram o seu coração?
João Calvino tinha ouvido essas idéias ha muitos anos de Lefêvre, Lutero, wingli, cujos escritos tinha lido. Seu primo Olivétan tinha discutido tais assuntos com ele quando eram colegas de estudo. Ouviu-os da mesma forma do seu professor de grego Wolmar, a quem muito admirava. Tinha-os ouvido também, com amargura, do seu irmão Charles, agora excomungado da igreja pelas suas heresias. O próprio João Calvino havia encontrado essas idéias ao ler a Bíblia nos originais grego e hebraico. Mais recentemente, havia visto essas idéias em prática na vida de mártires queimados e na residência do piedoso de la Forge, cujo lar era um lugar secreto para o encontro de crentes vindos de toda a parte.
Por muito tempo o coração de João Calvino não estava pronto para receber essa verdade. "O pináculo da minha vontade", declarou, "era desfrutar o lazer literário, com uma vida razoavelmente honrada e desimpedida."
" Mas... embora tivesse períodos de tranqüilidade, eu ainda estava longe da verdadeira paz de consciência. E quanto mais eu me examinava a mim mesmo, mais agudas se tornavam as picadas de consciência, até que o único consolo que me sobrava era o de tentar tudo esquecer....Eu estava seguindo o caminho que havia iniciado, quando apareceu uma forma de doutrina muito diferente. Não era doutrina para afastar-nos da profissão cristã, mas uma que nos traria de volta ao manancial, tirando, por assim dizer, os detritos e restaurando-a a sua pureza original. Ofendido pela novidade, dei-lhe ouvidos relutantes e, confesso, a resisti ardorosa e apaixonadamente. Com enorme dificuldade fui induzido a reconhecer que, durante toda a minha vida, laborava em ignorância e erro Minha mente estava agora preparada para atenção mais séria. Não tardou que eu percebesse, como se uma luz houvesse raiado sobre mim, o monturo de erros em que eu havia me emaranhado. Com grande temor e medo da miséria em que eu havia caído, e ainda mais receoso do que me ameaçava, a possibilidade de morte eterna, não podia fazer outra coisa senão seguir o Teu caminho, condenando o meu passado com não poucas agonias e lágrimas."
Foi assim que João Calvino escreveu a um cardeal, seis anos após a palestra de Nicolas Cop no Dia de Todos os Santos. João Calvino colocara essas palavras na boca de um convertido imaginário à fé Protestante. Mas eram palavras de sua própria experiência também. Era um homem criado na igreja, trabalhando febrilmente para encontrar a paz por outros meios dominando os estudos, escrevendo um livro, tornando-se pesquisador humanista. Finalmente, constrangido e teimoso, ele da meia-volta na estrada da vida, obedecendo a ordem de Deus mesmo. Converte-se. Assim como o apóstolo Paulo, João Calvino caminhara pela sua estrada de Damasco.
" Deus, por uma repentina conversão, subjugou... meu coração", revela Calvino no prefacio do seu comentário aos Salmos. "Fiquei imediatamente inflamado com um desejo tão intenso de progredir na nova fé que, embora não abandonasse completamente os outros estudos, eu os buscava com menos ardor.." Donde se conclui que a sua mudança repentina deve ter ocorrido após o difícil trabalho no comentário de Sêneca onde mal havia mencionado a Bíblia. Podia ter ocorrido nos meses finais de estudo em Orléans. Talvez a luz tivesse raiado sobre ele enquanto residia com seu piedoso hospedeiro de la Forge na Casa do Pelicano.
Onde quer que tenha acontecido, o fato era que João Calvino, o candidato ao sacerdócio, o advogado, o pesquisador secular, não mais existia. Em seu lugar estava agora João Calvino, servo de Jesus Cristo.