Capítulo 9
Entre Nobres e Eruditos
Desde o dia de novembro quando deixara Paris com seu disfarce de vitivinicultor, Calvino perambulava. Primeiramente, foi até Noyon, onde permaneceu alguns dias. Mas Margarida, irmã do rei, soube da sua quase captura. Persuadiu ao rei, o qual já estava de volta em Paris, a mostrar misericórdia a Calvino. O homem cagado voltou a Paris e foi recebido gentilmente em audiência por Margarida. Teria visitado de la Forge antes de sair da cidade novamente.
Foi agora a Angouleme, a casa de um amigo e colega de classe, Louis du Tillet. Du Tillet era um cônego na catedral daquela cidade, mas era simpático as idéias de Lefèvre. Morava numa enorme casa e tinha herdado de seu pai uma biblioteca de três a quatro mil volumes, o que era ótima biblioteca naqueles dias.
Calvino era bem-vindo ali, e ali permaneceu por alguns meses com um nome fictício. Tinha pelo menos nove nomes fictícios que usava em ocasiões e lugares diferentes. Na casa de du Tillet Calvino era conhecido como Charles d'Espeville.
A biblioteca de du Tillet era um retiro ideal para estudar. Calvino passou a dar tempo integral ao estudo da fé cuja luz tinha brilhado repentinamente sobre ele.
Com satisfação ali se ocultou, escrevendo ao seu amigo François Daniel em Orléans: "A experiência me ensinou que não podemos ver muito além de nos. Quando eu me entregava a uma vida tranqüila e fácil, era então que aparecia o que eu menos esperava; e, ao contrario, quando a minha situação parecia desagradável, um plácido ninho era feito para mim, muito além da minha expectativa.Era o Senhor que assim fazia. Quando nos entregamos a Ele, Ele mesmo cuida de nós."
Mas o homem de nome fictício não ficaria a sós no seu sereno ninho. Homens eruditos, hospedados na casa de du Tillet, o procurariam para conversar com ele. Mas Deus o impeliu dos seus estudos para andar pelas cercanias, visitando os lares e vilas dos camponeses. Magro, vestido de preto, estava em todos os cantos. Dirigia reuniões secretas nos lares. Reunia seus entusiasmados ouvintes numa gruta perto do rio. O povo o procurava, despreocupado com a sua própria segurança, para ouvir esse homem caçado.
Em abril de 1534, Calvino visitou o velho professor Lefèvre, a quem ainda não conhecia. Lefèvre estava de volta a sua terra natal, residindo em Nérac, uma cidade sob a proteção de Margarida, rainha de Navarre. Lefèvre tinha quase cem anos de idade. A ultima edição da sua Bíblia em francês tinha sido publicada recentemente.
E agora, ali estava diante dele esse jovem, com vinte e cinco anos incompletos, já conhecido como um líder daqueles que voltavam as Escrituras. Tanto o velho quanto o jovem amavam a França. Ambos nasceram na província de Picardy, conhecida pelo seu corajoso povo. O velho tinha sido o primeiro líder da Reforma Francesa. Tinha escolhido dirigi-la por caminhos pacíficos, permanecendo dentro da Igreja de Roma, esperando reformá-la de dentro, Alguns acham que o velho professor se arrependeu disso nos seus últimos anos. Dizem que ele falou ao jovem e impetuoso líder da impossibilidade de enfrentar Sorbonne, a igreja e o palácio, e quão fútil era a tentativa de levantar a Igreja de Roma da decom- posição e da superstição em que se encontrava atolada. Teria dito a Calvino; "Você será um instrumento para o estabelecimento do Reino de Deus na França?" Teria sentido que o seu manto de liderança cairia sobre os ombros do jovem que o estava visitando?
Ninguém sabe o que conversaram, o velho líder as portas da morte e o novo intensamente devotado à nova fé que tinha descoberto há, pouco. Após a entrevista, Calvino foi a Noyon. Tinha tomado uma resolução. Não era para ele o caminho do velho mestre que futilmente" esperava mudar a igreja de dentro. Para uma nova fé precisava haver uma nova igreja mas nem a fé e nem a igreja eram novas. A fé era antiga, mais velha do que a cruz do Senhor. Mas estava perdida e agora tinha sido reencontrada na Palavra de Deus. E a igreja a renascer precisaria ser como a igreja primitiva, como a igreja após Pentecostes, uma igreja de Cristo, pautada pela Palavra.
Dois meses antes do seu vigésimo quinto aniversario, João Calvino se apresentou perante o clero de Noyon, na catedral sob cujas sombras ele havia crescido. Afirmou perante esses clérigos espantados, muitos dos quais o conheciam desde a infância, que não estava mais disposto a ser padre. E que estava também decidido a abrir mão do seu beneficio com salário pago em milho e trigo.
Era 21 de maio de 1534. O mais famoso filho de Noyon saiu das suas portas pela última vez, seguindo pela mesma estrada que o havia levado a Paris quando menino. Não mais caminharia por aquela estrada ou entraria na casa situada na praça do mercado. Seguiu o seu caminho, sem lar e sem igreja.
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