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domingo, maio 21, 2006

Capítulo 17

Vitória em Lausanne


Em fins de setembro de 1536, Calvino e Farel viajaram para o leste, contornando o lago, até Lausanne. Encontraram-se ali com Viret, que era agora pastor naquela cidade. Bern estava patrocinando um grande debate em Lausanne. O debate tinha o propósito de resolver a questão religiosa nos territórios circunvizinhos que Bern tinha conquistado ao duque. Mais de trezentos padres destes territórios haviam sido convidados. Dos cento e setenta e quatro que vieram, somente quatro padres se ergueram para participar o debate. Farel e Viret seriam os porta-vozes da fé Protestante. Calvino os acompanhou embora não esperasse participar.
O povo dos territórios recém-conquistados deixou suas roças e vilas. Encheram as hospedarias de Lausanne. Deles dependeria o voto sobre a sua religião. Não queriam, pois, perder esta oportunidade de ouvir os argumentos de ambos os lados.
O rufar de tambores anunciou o inicio do debate no dia 1º de outubro. Farel o abriu com um sermão dominical. O debate prosseguiu na segunda-feira, as sete da manhã, O povo se espremia dentro da catedral para ver e ouvir. Os participantes sentaram no centro da Igreja. Para tornar o debate oficial, estavam ali sentados, também, cinco delegados de Bern, trajando gibões pretos, meias vermelhas, e chapéus de aba larga ataviados com penachos. Os secretários estavam com suas penas prontas para registrar o debate.
Farel apresentou dez teses para debate. Os argumentos continuaram por uma semana. Num dos dias, um defensor de Roma falava da presença real de Cristo na Santa Ceia. Acusou os Protestantes de ignorarem o que os santos padres da Igreja escreveram sobre este assunto. Caso soubésseis a opinião deles, dizia o defensor de Roma, veríeis condenado o vosso ponto de vista.
Isso era demais para Calvino. Todas as horas em Paris em que estudara os santos padres vieram agora socorrê-lo. Levantou-se e começou a refutar o defensor de Roma. Citou, com memória magnífica, Cipriano, Tertuliano, Crisóstomo, Agostinho, e muitos outros. Não citava unicamente por autor. Calvino identificava, outrossim, o livro ou o escrito em que tais citações seriam encontradas. Apresentou tudo com argumentação perfeita. Quando terminou, houve um reboliço entre a assistência. Alguns empurravam para conseguir melhor visão do homem pálido e magro que lhes era desconhecido.
Um monge Franciscano bradou que essa era a verdadeira doutrina. Clamou a Deus para perdoá-lo, pois tinha seguido os ensinamentos falsos de Roma por tanto tempo. Muitos outros concordaram com ele, embora não tivessem bradado. Nos meses seguintes, cento e vinte padres e oitenta monges da região ao redor de Lausanne aceitaram a fé Protestante, que se tinha tornado a religião oficial.
Calvino viajou a cavalo, logo depois, até Bern. Ainda tratava do seu resfriado, que não melhorava nos entos picantes de outubro. Em Bern discutiu-se o problema da unificação de todas as pequenas paróquias suíças, para que cada qual não vagasse em interpretações próprias da fé Reformada. Calvino estava se tornando conhecido. Era tido como um líder. Mesmo o povo de Genebra afluiu em grande número para ouvi-lo após sua volta.
Tinha chegado a hora para a edificação da Igreja de Genebra, Calvino, sentado à sua mesa na casa escura e pequena nos arredores de Saint Pierre, introduziu sua pena no tinteiro e começou a escrever.
O primeiro resultado foi uma Confissão de Fé com vinte e um artigos. Por intermédio dela Calvino esperava tornar claro ao povo de Genebra o que tinham prometido sustentar quando juraram fidelidade ao Evangelho. A Confissão foi levada aos conselhos em novembro de 1536, os quais a receberam para estudo. Os pregadores requereram que o povo jurasse viver de acordo com a Confissão. Alguns conselheiros reclamaram que o povo não devia ser forçado a jurar alguma coisa que não acreditasse. Mas, por fim, o assunto foi aprovado. Em cada distrito da cidade, rua por rua, casa por casa, os capitães distritais ajuntavam os seus habitantes e os conduziam a Saint Pierre. Vinham dez de cada vez e se postavam diante do secretário do conselho, o qual estava no púlpito registrando os nomes dos que faziam o juramento. O povo vinha dia após dia e jurava fidelidade as verdades da Confissão de Fé.
Mas nem todos viriam. As murmurações tornavam-se mais altas. Porventura lutamos contra o duque e o bispo somente para nos tornarmos escravos dos pregadores que estão dentro dos nossos muros? perguntavam os descontentes. Quem deu a esses franceses poder sobre nós? Os seguidores remanescentes de Roma agitavam o povo. Os amantes da vida fácil, conhecidos como Libertinos, queixavam-se porque percebiam que os pregadores estavam dispostos a fazerem-nos viver pela Confissão. Os nacionalistas se enfureciam diante do que os estrangeiros estavam fazendo para controlar a cidade.
Entrementes, outro cuidadoso documento saiu da pena de Calvino. Foi trazido a sala do conselho por Calvino e Farel, ambos trajados com suas túnicas pretas. Um arauto guardava a porta do conselho, sentado sobre um leão de madeira e segurando um cajado prateado como sinal de autoridade. Permitiria que os pregadores entrassem para a sala do Pequeno Conselho, o primeiro dos conselhos que governavam Genebra. Os quatro síndicos, os mais importantes oficiais da cidade, porquanto eleitos pelo povo, eram membros do Pequeno Conselho, o qual era composto de vinte e cinco homens. O segundo conselho era o Conselho de Duzentos, cujos membros eram eleitos pelo Pequeno Conselho, e que por sua vez, elegia os membros do Pequeno Conselho, com exceção dos quatro síndicos e do tesoureiro da cidade. O terceiro era o Conselho Geral, ao qual pertenciam todos os homens de Genebra. Este era convocado somente para assuntos de suma importância.
Os pregadores entregaram, assim, ao Pequeno Conselho, o manuscrito de Calvino, no qual solicitavam que quatro reformas fossem realizadas na Igreja de Genebra. "Não é possível reduzir tudo a boa ordem num momento", dizia o documento, "porquanto a ignorância do povo não o permitiria... Mas agora que agradou ao Senhor consolidar um pouco mais o Seu reinado aqui, pareceu-nos de bom alvitre... estudar convosco sobre tais assuntos, ...rogando-vos em nome de Deus que,... se... concluirdes que a nossa proposta vem da santa Palavra do Evangelho, cuideis para que estas observações sejam recebidas e obedecidas na vossa cidade..."
Estuda-lo-emos, disse o Pequeno Conselho. Era meados de janeiro de 1537. O povo estava ainda sendo ajuntado de dez em dez em Saint Pierre para jurar fidelidade a Confissão. E o magro estrangeiro francês que tinha sido por Farel comandado a permanecer em Genebra ainda não tinha recebido vintém pelos seus serviços.