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domingo, maio 21, 2006

Capítulo 18

A Reforma a Todo Custo


Muito bem, o que desejavam os pregadores agora? perguntou o Pequeno Conselho ao tomar de sobre a mesa o documento endereçado aos "Cavalheiros Retamente Honrados".
Os cavalheiros retamente honrados não precisaram ler muito para descobrir a dinamite contida no documento, "Não ha duvida que uma Igreja não poderá ser bem ordenada... se não houver nela a celebração continua da Ceia do Senhor,... e esta celebração sob tão boa supervisão que ninguém ousara apresentar-se senão com devoção, e com genuína reverência. Por esta razão, para que se man- tenha a Igreja na sua integridade, é necessária a disciplina da excomunhão".
Excomunhão. Então a idéia era esta dar a, Igreja a poderosa arma de excomunhão por tanto tempo brandida pelo papa de maneira tão inclemente. Por intermédio de homens fiéis atentos em todos os quadrantes da, cidade, os pregadores propunham receber informações sobre os que não viviam a vida de Cristo. Competiria a Igreja, então, tomar as providências estabelecidas por Cristo em Mateus 18. Estas terminariam em excomunhão, uma decisão da Igreja que seria executada pelos conselhos, porquanto a Igreja e o estado estavam entrelaçados naqueles dias, Esta "disciplina de excomunhão é necessária", disseram os pregadores, para que mãos iníquas não cheguem a santa mesa do Senhor. Mas era esta a dinamite permitir a Igreja esse poder de excomunhão, tanto para os de vida torta quanto para os que afirmassem doutrinas falsas.
Teremos um novo papa dentro dos nossos muros ? Nós somos os responsáveis pela disciplina em Genebra, bradavam muitos membros do conselho. Este poder nos pertence. Temos livros cheios de leis que podem ser usados para punir os perversos. Que os pregadores preguem e ensinem. Que deixem a vida do povo nas mãos dos conselhos que foram formados para governar a cidade.
Calvino não somente solicitou que a Igreja tivesse permissão para decidir quem poderia participar na Comunhão. Achava, outrossim, que a Ceia do Senhor deveria ser celebrada com mais freqüência. "Seria bom determinar que a Comunhão da Santa Ceia de Jesus Cristo fosse celebrada, como regra, todos os domingos... Não foi instituída por Jesus para... duas ou três vezes por ano, mas sim para exercício freqüente da nossa fé... Assim foi sempre o costume da Igreja primitiva...", aduziu. "Mas, porquanto a fragilidade do povo é ainda de grande monta, ha perigo de que este sagrado... mistério não seja entendido caso for celebrado tantas vezes. Que seja celebrado, por conseguinte, "uma vez por mês".
As outras três propostas não provocaram tanto tumulto nos conselhos. Calvino solicitou que as leis matrimoniais fossem estudadas e atualizadas de acordo com a Palavra de Deus, porquanto "o papa tem causado confusão" nessas leis, "fazendo decretos a sua vontade". Nesta sentença do documento havia um espa- do em branco no lugar do nome do papa. Calvino não estava disposto a honrar o papa, nem escrevendo o nome dele. O terceiro artigo se refere a instrução de crianças, de quais deverão, sem dúvida, fazer a Igreja uma confissão de sua fé". Elas deverão ser instruídas por um catecismo. E isto "é agora mais necessário do que nunca, devido ao desuso da Palavra de Deus que percebemos na maioria do povo, e ao menosprezo dos pais em ensinar-lhes o caminho de Deus". Para tal fim haverá necessidade de escrever um catecismo. Os pais terão que ensiná-lo as crianças. E, "durante determinados períodos do ano", as crianças deverão comparecer perante os ministros para serem interrogadas e para receberem maiores explicações sobre as perguntas catequéticas. "Deveis ordenar aos pais a usarem esforço e perseverança para que seus filhos aprendam este resumo", apelou Calvino.
Mais uma coisa nova, "Desejamos que os Salmos sejam cantados na Igreja", O povo cantara na Igreja, caso esta reforma for adotada. Há séculos que o povo não canta ali. Nem tem compreendido as palavras latinas cantadas pelos padres. Agora, em vez de espectadores mudos, terão uma participação. Pelo cântico, "pode-se orar a Deus, ou... cantar-lhe louvores... e render graças a Deus de comum acordo". Como é que o povo aprendera os Salmos "As crianças, anteriormente ensaiadas... cantarão numa voz alta e clara, sendo ouvidas pelo povo com toda a atenção... até que todos estejam acostumados a cantarem juntos". O coro de crianças seria o instrumento para ensinar novas melodias. Não haveria órgão, nem harmonia. Somente cantochão vigoroso, em uníssono.
Era este o plano de João Calvino para começar a edificação da Igreja em Genebra. Quatro pontos, um plano que acreditava vir da Palavra de Deus. Era um plano modelado sobre a Igreja primitiva. Seria aprovado pelos conselhos?
Os conselhos não estavam com pressa. Não decidiram contra o cântico de Salmos, nem contra a instrução de crianças, ou contra a atualização das leis matrimoniais de acordo com as Escrituras. Poderiam lançar tais reformas nos livros legais da cidade juntamente com uma centena de outras leis que não estavam sendo cumpridas. Isso satisfaria um pouco aos pregadores persistentes.
Mas esse negocio de excomunhão e a Ceia do Senhor; houve muitos argumentos furiosos sobre o assunto. A opinião da maioria nos conselhos estava contra qualquer mudança. Que a celebração dos sacramentos continuasse como dantes, quatro vezes ao ano, em vez de mensal ou semanalmente. E que o assunto de excomunhão ficasse para depois. Afinal de contas, nenhuma outra Igreja Reformada na Suíça tinha tanto poder em suas mãos. E Genebra, amante da liberdade, não cederia nesta questão especialmente para não satisfazer a um estrangeiro!
Os pregadores, diante dessa reação tépida, fizeram o possível. Calvino escreveu um catecismo para crianças, para ajudar os pais a ensinar-lhes as verdades da Palavra de Deus. Estava pregando agora. Sua voz clara e metálica penetrava a todos os cantos das igrejas de cujos púlpitos pregava.
Calvino estava se tornando conhecido, outrossim, nas ruas da cidade. Visitava os lares, juntamente com Farel. De vez em quando o pregador cego, Corault, os acompanhava, caminhando com mais vagar, batendo de leve com a sua bengala nas pedras do calçamento.
Onde quer que andassem, os pecados da população os atormentavam. Mas essa gente, cada uma delas, pertencia a Igreja de Genebra. Pertencia a ela por que sua cidade tinha se declarado Protestante. Que poderia um pregador fazer com uma congregação assim de doze mil pessoas?
Como poderia Calvino incutir nessa gente rebelde a fé e a vida sobre as quais tinha escrito tão brilhantemente nas suas Institutas?
Bem, ele podia pregar a Palavra de Deus, não é mesmo? E foi isso que fez. Do seu alto púlpito em Saint Pierre, olhava aquele mar de rostos, apontava-lhes seu longo dedo, fazendo-os sentir a culpa dos seus pecados. Nem Farel media palavras ao trovejar para as pessoas que se reuniam na Igreja de Saint Gervais, localizada no outro lado de Saint Pierre, do lado oposto do rio. Corault estava no púlpito de outra Igreja, pregando com fogo aqueles que não podia ver.
Mas os ministros podiam insistir com os conselhos para que as leis da cidade fossem cumpridas. Visitavam a sala do conselho freqüentemente, exigindo a aplicação de leis que ha anos jaziam indolentes nos arquivos. Havia centenas de leis assim. Naqueles dias, cada cidade tinha leis detalhadas sobre a vida particular dos seus cidadãos.
Havia leis sobre todas as coisas, até sobre a hora de se dormir, o tipo de vestido que uma noiva poderia usar, quantos músicos poderiam ser contratados para uma festa, ou quantos números musicais poderiam ser tocados. Algumas das punições eram severas - prisão, de portacão, e morte até.
É interessante observar que um bom número destas leis foram aprovadas antes que a Reforma viesse a Genebra. Farel tinha persuadido os conselhos a acrescentarem outras no início de 1536, naquele entusiasmo inicial com o Protestantismo.
Mas as leis eram inócuas, porquanto não aplicadas. Assim como as leis de muitas outras cidades, estas permaneciam empoeiradas, até que os pregadores começaram a bater na porta do conselho e exigir ação. Exigiam ação contra qualquer transgressor, fosse rico ou pobre.