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domingo, maio 21, 2006

Capítulo 5

Mudanças Políticas

Vários acontecimentos extraordinários ocorreram em Paris durante os cinco anos que João Calvino lá estudou. Em 1525, o volúvel Francis I perdeu uma grande batalha contra o imperador Charles V, do Santo Império Romano, e foi encarcerado em Madri. Enraivecido e humilhado, ele teve que permanecer em Madri por um ano até que se arranjasse que seus dois filhos menores ficassem prisioneiros em seu lugar. Foi uma derrota surpreendente para a França. Louise de Savoy, a mãe do rei, governou na sua ausência. Ela não tinha paciência com heresias. A Universidade da Sorbonne podia contar com ela.
Lefèvre, o velho mestre, fugiu para a cidade germânica de Strasbourg, na margem ocidental do Reno. Farel, que estava ocupado em Paris, fugiu para Basel, Mas Briçonnet, o bispo de Meaux, vacilava. Ele tinha levado o seu povo a verdade, mas faltava-lhe a coragem para acompanhar aquela verdade a prisão, ao exílio, ou ao fogo. Ao invés disso, curvou-se a Beda e a Sorbonne, reconheceu seu "erro", e ordenou aos pregadores Protestantes no seu bispado que ficassem calados. Conservou, assim, a mitra episcopal, linda peça que era um sinal da sua posição entre os oitenta e três bispos da França, Mas o povo humilde de Meaux deu melhor exemplo do que o bispo. Não tinha medo do fogo. Um homem chamado Denis repreendeu o bispo antes de ser levado as chamas. O jovem Pavane falou com tanta emoção ao povo que estava ao pé da pira que um doutor da Sorbonne exclamou: "Quisera que Pavane não tivesse falado, mesmo que isso tivesse cus- tado a igreja um milhão em ouro." Havia, também, o eremita de Livry, para cujo sacrifício os sinos da catedral de Notre Dame convocaram o povo. E o cardador de lã, Leclerc, o qual, no seu entusiasmo mal-orientado, tinha estraçalhado uma estatua de Maria. Por essa ofensa, os membros de Leclerc foram rasgados um por um, puxados com tenazes esquentadas nas brasas, até que, finalmente, as chamas o mataram. Não teria o estudante João Calvino assistido a essas execuções durante os seus anos em Paris?
Entrementes, em Roma, o próprio papa estava em apuros. Clemente VII, sucessor do magnificente Leão X, foi trancafiado numa torre durante sete meses, na sua própria cidade santa com as suas sete colinas. Ele tinha, também, perdido uma batalha contra o imperador Charles V. Em 1527 as tropas do imperador escalaram os muros de Roma e tomaram a cidade. Depois saquearam-na. Os soldados faziam esporte de andar a cavalo pelas ruas vestindo as vestes e os chapéus vermelhos dos cardeais. Documentos eclesiásticos eram rasgados para dar de comer aos cavalos. Tesouros artísticos foram estragados. Alguns menos escrupulosos invadiram o túmulo do papa guerreiro, Julius II, tirando o anel do seu dedo ósseo.
Enquanto Clemente VII continuava preso na sua torre, impotente até que che- gasse a um acordo com o imperador, uma delegação de homens da Inglaterra chegou a cidade saqueada para consultar o papa. O seu rei, Henry VIII, rei com muitas esposas, estava agora pronto a livrar-se da primeira. Será que o papa lhe daria um divórcio da rainha Catherine? Clemente VII já tinha problemas demais. E não queria de maneira alguma agravar as suas relações com o imperador Charles V concedendo um divorcio ao rei da Inglaterra, razão por que não o concedeu. Mas Henry VIII encontrou outra solução: criou um novo arcebispo de Canterbury, o qual invalidou o casamento. No ano seguinte, Henry VIII declarou-se chefe da igreja na Inglaterra. Não queria mais conversa com o papa, A Inglaterra, assim, pela estranha instrumentalidade de uma mulher e um divorcio, tornava-se um pais Protestante.
Não somente reis e papas estavam em apuros. Em Noyon, Gerard Calvin tinha os seus problemas também. Por algum motivo recusara apresentar determinados registros contábeis. Os homens da igreja estavam irritados com o seu advogado. É possível que Gerard Calvin estivesse da mesma forma irritado com eles, repugna- do pela cobiça e presunção. Com tais pensamentos, Gerard Calvin passou a dar mais atenção a carreira do seu filho João. Tomou nova decisão, desejando que seu filho se tornasse advogado. "Quando eu era ainda menino", escreveu João Calvino anos após, "meu pai destinou-me ao estudo de teologia. Mas depois, quando ele considerou que a advocacia geralmente trazia riqueza aos seus praticantes, tal possibilidade repentinamente induziu-o a mudar de propósito. Foi então que fui retirado do estudo da filosofia para me dedicar ao estudo das leis."
Martinho Lutero, quando pressionado pelo seu pai para estudar direito, abandonou-o para ingressar num mosteiro. João Calvino, ao contrario, jamais se opôs a esse desejo paterno. por isso, obedientemente, encaminhou-se a cidade de Orléans, cuja universidade era famosa pela sua faculdade de direito.
Em 1528, na mesma época em que João Calvino deixava Paris, um espanhol mal trajado entrava pelas suas portas. Ignatius Loyola, com trinta e sete anos de idade, tinha vindo a Paris para estudar. Trouxe consigo um jumento carregado de livros, uma bolsa contendo algumas moedas de ouro, e uma proposta de regimen- to para a Sociedade de Jesus. A própria virgem Maria, dizia Loyola, ditou-lhe essas regras numa caverna perto de Barcelona. O espanhol que entrou em Paris seria um dia honrado pela Igreja de Roma como o fundador da sua estreita e poderosa Ordem dos Jesuítas que começou como a Sociedade de Jesus.
O jovem francês que deixava Paris, sua obra-prima ainda por escrever, seria ainda mais bem conhecido como extraordinário campeão nas hostes Protestantes, um defensor da verdade redescoberta na Palavra de Deus.